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07/06/2009

Comparações transatlânticas (1): Europeus sofisticados, americanos obesos?

Der Spiegel
Peter Baldwin
Em Los Angeles (EUA)
Um lado abriga os europeus apreciadores de vinho tinto, o outro é o lar dos americanos com armas na cintura: toda uma variedade de estereótipos pode ser encontrada em ambos os lados do Atlântico. Mas, conforme argumenta o historiador americano Peter Baldwin em seu ensaio em três partes para a Spiegel Online, a UE e os EUA são muito mais parecidos do que imaginam.

Considere a inversão das antigas certezas! Enquanto a Europa está agora nas mãos de partidos mais à direita (vide a França, Alemanha, Itália, Suécia, Dinamarca e David Cameron da Inglaterra avançando sem descanso e pronto para agir), os Estados Unidos "viraram socialistas".

Nacionalizando o setor financeiro de forma velada, considerando subsídios massivos para o setor de produção, aumentando os gastos estatais em saúde e educação, prometendo grandes investimentos em todos os tipos coisas verdes, e limitando os salários dos executivos:
será que Obama está superando a Europa no jogo que ela mesma inventou?

"Somos todos socialistas agora", alardeou a revista Newsweek em fevereiro, prevendo que "à medida que os gastos com benefícios aumentarem durante a próxima década, nos tornaremos ainda mais franceses". O general Jack D. Ripper, vingativo personagem do filme "Dr. Fantástico" ["Dr. Strangelove", em inglês] que criticava fulminantemente a fluoretação da água como mais um avanço nefasto do comunismo, deve estar se revirando no túmulo.

Como as coisas mudam rápido. Parece que há apenas alguns meses a presidência de Bush - que fazia guerra de forma unilateral, recusava-se a se submeter aos tratados internacionais, menosprezava a seriedade da catástrofe ecológica global - convencia a opinião conservadora de ambos os lados do Atlântico de que o abismo entre os EUA e a Europa era imenso e crescia cada vez mais. De fato, é difícil evitar hábitos mentais antigos e gastos. A ideia de que a Europa e os Estados Unidos são mundos à parte continua sendo um elemento básico do discurso político nos dois lados do Atlântico. Todo mundo sabe disso.

A tese do "vasto Atlântico" alega que há diferenças fundamentais entre a Europa e os EUA. Eis os contrastes apontados:

Os Estados Unidos acreditam no mercado livre enquanto a Europa aceita o capitalismo, mas restringe seus excessos.

Não existem políticas sociais nos EUA e, quando existem, são menos generosas do que na Europa.

A falta de uma assistência médica universal nos EUA significa que as pessoas morrem jovens e vivem de forma miserável.

Por causa do domínio do mercado, os Estados Unidos não cuidam tanto do meio ambiente.

Como os contrastes sociais são maiores nos EUA, o crime é um problema muito maior do que na Europa.

Enquanto os europeus são laicos, os americanos tem mais tendência a acreditar em Deus e aceitar que a religião tenha um papel na vida pública.

As duas sociedades são, portanto, divididas dos dois lados de várias fissuras: competição versus cooperação, individualismo versus solidariedade, autonomia versus coesão.

Isso tudo é bastante familiar. Mas será que é verdadeiro? Com o governo Obama guiando os EUA para a esquerda, existe uma percepção de que o Atlântico está estreitando novamente - para o desespero dos conservadores americanos. Ser "muito europeu" é um rótulo que os oponentes de Obama adoram usar para atacá-lo. Mas será que os contrastes entre a Europa e os EUA sempre foram tão grandes quanto os dois lados imaginam?

Uma forma de responder a essa pergunta é olhar para as provas quantificáveis. Nem todas as diferenças podem ser capturadas em números. Mas as estatísticas nos permitem um primeiro acesso ao terreno e nos dão a oportunidade de comparar com segurança. Vamos comparar quatro áreas: economia, política social, meio ambiente e, por fim, a mais difícil de quantificar de todas, as atitudes em relação à cultura e à religião.

As evidências em cada caso permitem duas conclusões: em primeiro lugar, a Europa não é um continente coerente ou unificado. O conjunto de diferenças até mesmo entre os países da Europa ocidental (que são os que nós analisaremos aqui) é muito maior do que normalmente se reconhece. Segundo, com poucas exceções, os EUA se encaixam nesse conjunto. Nesse caso, ou não existe uma identidade europeia coerente, ou, se existe uma, os EUA são tão europeus quanto os próprios. A Europa e os EUA são, de fato, partes de um agrupamento maior - que pode ser chamado de Ocidente, comunidade do Atlântico ou mundo desenvolvido.

Economia
Todos concordam que os Estados Unidos é uma sociedade economicamente mais desigual do que a Europa, com uma estratificação maior entre ricos e pobres. A maior parte disso é verdade. A renda é distribuída menos proporcionalmente nos EUA do que na Europa ocidental. Em 1998, por exemplo, o 1% mais rico da população americana levou para casa 14% da renda total, enquanto na Suécia o número girou em torno de apenas 6%.

Mas a concentração de riqueza é um assunto diferente. O 1% mais rico dos americanos detinha cerca de 21% de toda a riqueza do país em 2000.

Algumas nações europeias têm concentrações maiores do que isso. Na Suíça, em 1997, a porcentagem mais rica era dona de 35%, e na Suécia - apesar da reputação igualitária do país - esse número é de 21%, exatamente o mesmo dos americanos. E se levarmos em consideração a transferência massiva de capital para o exterior e o capital livre de impostos permitido pelo fisco da Suécia, o 1% mais rico da Suécia é proporcionalmente duas vezes mais rico do que seus colegas americanos.

E em relação à pobreza? Não é o mesmo que desigualdade? Uma vez que a desigualdade é maior nos EUA, a pobreza relativa, por definição, também é maior.

Mas as taxas de pobreza absoluta são diferentes. Se considerarmos a pobreza absoluta como viver com a quantidade de dinheiro equivalente à metade da renda média dos seis países originais da UE, veremos que, em 2000, muitos países do oeste europeu tiveram uma porcentagem maior de cidadãos pobres do que os Estados Unidos - não apenas os países mediterrâneos, mas também a Inglaterra, Irlanda, França, Bélgica, Holanda, Finlândia e Suécia.

Os benefícios para os desempregados nos EUA, normalmente considerados ridículos pela imprensa europeia, são na verdade maiores do que em muitos países europeus. Quando medidos numa base per capita, a Grécia, a Inglaterra, a Itália e a Irlanda gastam menos do que os EUA em seguro desemprego.

Na segunda parte dessa série de três artigos, Baldwin compara as forças da UE e dos Estados Unidos em termos de família e educação - e mostra porque os americanos estão melhor posicionados do que os europeus.

Tradução: Eloise De Vylder

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