Muitos europeus pensam que os Estados Unidos são cheios de maníacos com armas na cintura e idiotas analfabetos. Na segunda parte da série sobre diferenças transatlânticas, o historiador americano Peter Baldwin mostra que os europeus se enganam totalmente a esse respeito - e em relação a muitos outros fatos sobre os Estados Unidos.
Num ensaio em três partes para a Spiegel Online, o historiador americano Peter Baldwin argumenta que os EUA e a UE são muito mais semelhantes do que imaginam. Você pode ler a primeira parte desse ensaio aqui.
Quando comparado com a Europa, o estado de bem-estar social dos EUA é frequentemente considerado miserável e subdesenvolvido. E isso é verdade, se o parâmetro for a Suécia ou a Alemanha. Mas se olharmos para a variedade de políticas sociais em toda a Europa, surge um quadro diferente.
É claro, os EUA não têm um sistema de saúde pública universal - o filme "Sicko", 2006, de Michael Moore, garante que ninguém se esqueça disso. Cerca de 15% da população americana não tem um plano de saúde.
Não há dúvida de que não ter assistência médica é injusto e brutal, nem de que a falta de uma cobertura universal de saúde é o problema mais urgente para a política interna americana. A verdadeira desgraça do sistema de saúde americano é que a mortalidade infantil é maior do que em qualquer lugar da Europa. O presidente Obama parece determinado a não deixar a crise financeira adiar sua promessa de melhorar o acesso aos planos de saúde.
Mesmo assim, apesar do grande número de pessoas sem assistência médica, se julgarmos pelas taxas de sobrevivência às doenças, os americanos são relativamente mais saudáveis e bem atendidos por seu sistema de saúde. No caso de diabetes, doenças circulatórias e do coração e derrames, as taxas de incidentes e a duração em anos das doenças estão bem na média dos padrões europeus.
No caso de muitos cânceres, as taxas de incidência são mais altas nos EUA. Isso poderia, é claro, indicar estilos de vida mais nocivos, mas também pode sugerir um diagnóstico mais vigilante. Qualquer que seja a razão, as taxas de mortalidade por causa do câncer são surpreendentemente baixas. Os EUA têm uma incidência de câncer de mama maior do que qualquer nação da Europa ocidental, por exemplo, mas a porcentagem de mulheres que de fato morrem da doença está bem aquém dos padrões europeus. E para os quatro tipos de cânceres que mais matam (colo-retal, de pulmão, de mama e de próstata), todos os países europeus têm taxas de sobrevivência piores do que os EUA.
Política familiar
Ao analisar outros tipos de políticas sociais, vemos que os EUA em geral estão abaixo da metade dos índices europeus. Assim como acontece com o seguro para os desempregados, os gastos per capita dos EUA com benefícios para invalidez é maior do que na Grécia e em Portugal, e está praticamente no mesmo nível da França, Itália, Irlanda e Alemanha. (Todos os números usados para a comparação consideram as diferenças de custo de vida.)
As pensões estatais dos EUA podem estar abaixo da média europeia. Mas, se em vez disso examinarmos a soma total disponível para os aposentados nos EUA em relação ao que recebem os indivíduos ativos, os idosos estão bem melhor apenas na Áustria, Alemanha e França.
É comumente sabido que o Estado americano não ajuda muito em termos de legislação familiar. A licença maternidade não é regulamentada, e não há garantias de que as mulheres podem reivindicar seus empregos depois da gravidez. Não existem auxílios familiares desse tipo.
Por outro lado, se contarmos os recursos canalizados por meio do sistema de impostos ao crédito, assim como as concessões diretas de dinheiro e serviços, e se as medirmos como uma porcentagem do PIB, os EUA ficam acima da Espanha, Grécia e Itália, e apenas um pouco abaixo da Suíça no que diz respeito aos benefícios familiares. Os gatos públicos com cuidado infantil (creches e educação pré-primária) colocam os EUA no meio da escala europeia. E os gastos totais por criança com educação e cuidados pré-primários são maiores do que em todos os países europeus, exceto a Noruega.
É verdade, os gastos sociais públicos nos Estados Unidos - ou seja, o dinheiro distribuído pelo Estado - é inegavelmente pouco se comparado a muitos países europeus. Mas outros canais de redistribuição são igualmente importantes: esforços voluntários, benefícios privados encorajados pela legislação (como a assistência médica para funcionários) e impostos. Se somarmos tudo isso, o Estado de bem-estar social americano é mais extensivo do que se costuma imaginar, e os esforços totais de políticas sociais feitos nos Estados Unidos ficam exatamente na média dos padrões europeus.
Educação
Se mudarmos nosso foco para a educação, as diferenças dos dois lados do Atlântico são, quando existem, o contrário do que se imagina. A porcentagem de americanos formados em universidades e escolas secundárias é mais alta do que em qualquer país europeu. Os americanos adultos são, nesse sentido, melhor educados do que os adultos da Europa.
E os EUA gastam mais dinheiro por criança, em todos os níveis da educação, do que qualquer país do oeste da Europa. Os europeus costumam acreditar que as boas escolas americanas são particulares e servem apenas à elite. Mas a educação americana é menos privatizada do que a da maioria dos sistemas europeus. A educação pública foi um dos primeiros programas sociais a receber financiamento público massivo nos EUA, e isso continuou assim desde então.
Simone de Beauvoir estava convencida de que os americanos não precisam ler porque não pensam. Pensar é difícil de quantificar; ler é um pouco menos.
E os americanos, descobriu-se, leem. Para os padrões europeus, a porcentagem de americanos analfabetos é mediana. Há mais jornais per capita nos EUA do que em qualquer lugar da Europa, fora a Escandinávia, Suíça e Luxemburgo.
A longa tradição de bibliotecas públicas com bom financiamento nos EUA significa que o leitor médio americano tem uma oferta de livros melhor do que seus colegas da Alemanha, Inglaterra, França, Holanda, Áustria e os países do Mediterrâneo. Eles também fazem melhor uso dos livros das bibliotecas públicas do que a maioria dos europeus. O americano médio emprestou mais livros de biblioteca em 2001 do que seus colegas na Alemanha, Áustria, Noruega, Irlanda, Luxemburgo, França e por todo o Mediterrâneo.
Não contentes em emprestar, os americanos também compram mais livros per capita do que qualquer europeu dos quais temos dados. E eles também escrevem mais livros per capita do que a maioria das nações europeias.
A cultura popular americana é fascinada pela violência, assim como a cultura japonesa é pelo suicídio. Quer seja no filme "O Poderoso Chefão" ou na série "The Wire", a imagem que os EUA transmitem a respeito de si mesmos é de um lugar violento e comandado pelo crime. A maioria dos estrangeiros aceitou de bom grado essa análise como verdadeira. Não que seja totalmente mentirosa: um número horrendo de assassinatos é cometido nos EUA, quase duas vezes a taxa per capita dos países europeus mais próximos, Suíça, Finlândia e Suécia. Também não existe nenhuma dúvida de que os EUA têm uma porcentagem de presos bem maior do que qualquer outro país europeu.
Mas em outros aspectos, os Estados Unidos são um lugar pacífico e tranquilo de acordo com os padrões europeus. As taxas de invasão de domicílio nos EUA são mais altas, mas ficam abaixo das da Dinamarca e da Inglaterra. A incidência de roubos é melhor do que em seis países do oeste europeu. Os assaltos ficam, na média, igualando as taxas da Suécia e da Bélgica. Os níveis de estupro são altos, mas as taxas de agressão sexual são moderadas. Apenas na Dinamarca, Bélgica e Portugal elas são mais baixas. A Áustria têm um índice três vezes maior do que o americano.
O uso de drogas entre os americanos é também é alto (sem trocadilhos), mas ainda assim - excetuando a maconha, com números um pouco maiores do que a Inglaterra - estão dentro dos padrões europeus. O crime do colarinho branco nos EUA está abaixo da metade dos parâmetros europeus. Os franceses têm uma taxa de suborno seis vezes maior do que a dos americanos. Os números totais do crime nos EUA estão abaixo da média europeia. Na verdade, apenas países relativamente pequenos - Finlândia, Áustria, Suíça e Portugal - são menos afetados pelo crime do que os EUA.
Tradução: Eloise De Vylder
Num ensaio em três partes para a Spiegel Online, o historiador americano Peter Baldwin argumenta que os EUA e a UE são muito mais semelhantes do que imaginam. Você pode ler a primeira parte desse ensaio aqui.
Quando comparado com a Europa, o estado de bem-estar social dos EUA é frequentemente considerado miserável e subdesenvolvido. E isso é verdade, se o parâmetro for a Suécia ou a Alemanha. Mas se olharmos para a variedade de políticas sociais em toda a Europa, surge um quadro diferente.
É claro, os EUA não têm um sistema de saúde pública universal - o filme "Sicko", 2006, de Michael Moore, garante que ninguém se esqueça disso. Cerca de 15% da população americana não tem um plano de saúde.
Não há dúvida de que não ter assistência médica é injusto e brutal, nem de que a falta de uma cobertura universal de saúde é o problema mais urgente para a política interna americana. A verdadeira desgraça do sistema de saúde americano é que a mortalidade infantil é maior do que em qualquer lugar da Europa. O presidente Obama parece determinado a não deixar a crise financeira adiar sua promessa de melhorar o acesso aos planos de saúde.
Mesmo assim, apesar do grande número de pessoas sem assistência médica, se julgarmos pelas taxas de sobrevivência às doenças, os americanos são relativamente mais saudáveis e bem atendidos por seu sistema de saúde. No caso de diabetes, doenças circulatórias e do coração e derrames, as taxas de incidentes e a duração em anos das doenças estão bem na média dos padrões europeus.
No caso de muitos cânceres, as taxas de incidência são mais altas nos EUA. Isso poderia, é claro, indicar estilos de vida mais nocivos, mas também pode sugerir um diagnóstico mais vigilante. Qualquer que seja a razão, as taxas de mortalidade por causa do câncer são surpreendentemente baixas. Os EUA têm uma incidência de câncer de mama maior do que qualquer nação da Europa ocidental, por exemplo, mas a porcentagem de mulheres que de fato morrem da doença está bem aquém dos padrões europeus. E para os quatro tipos de cânceres que mais matam (colo-retal, de pulmão, de mama e de próstata), todos os países europeus têm taxas de sobrevivência piores do que os EUA.
Política familiar
Ao analisar outros tipos de políticas sociais, vemos que os EUA em geral estão abaixo da metade dos índices europeus. Assim como acontece com o seguro para os desempregados, os gastos per capita dos EUA com benefícios para invalidez é maior do que na Grécia e em Portugal, e está praticamente no mesmo nível da França, Itália, Irlanda e Alemanha. (Todos os números usados para a comparação consideram as diferenças de custo de vida.)
As pensões estatais dos EUA podem estar abaixo da média europeia. Mas, se em vez disso examinarmos a soma total disponível para os aposentados nos EUA em relação ao que recebem os indivíduos ativos, os idosos estão bem melhor apenas na Áustria, Alemanha e França.
É comumente sabido que o Estado americano não ajuda muito em termos de legislação familiar. A licença maternidade não é regulamentada, e não há garantias de que as mulheres podem reivindicar seus empregos depois da gravidez. Não existem auxílios familiares desse tipo.
Por outro lado, se contarmos os recursos canalizados por meio do sistema de impostos ao crédito, assim como as concessões diretas de dinheiro e serviços, e se as medirmos como uma porcentagem do PIB, os EUA ficam acima da Espanha, Grécia e Itália, e apenas um pouco abaixo da Suíça no que diz respeito aos benefícios familiares. Os gatos públicos com cuidado infantil (creches e educação pré-primária) colocam os EUA no meio da escala europeia. E os gastos totais por criança com educação e cuidados pré-primários são maiores do que em todos os países europeus, exceto a Noruega.
É verdade, os gastos sociais públicos nos Estados Unidos - ou seja, o dinheiro distribuído pelo Estado - é inegavelmente pouco se comparado a muitos países europeus. Mas outros canais de redistribuição são igualmente importantes: esforços voluntários, benefícios privados encorajados pela legislação (como a assistência médica para funcionários) e impostos. Se somarmos tudo isso, o Estado de bem-estar social americano é mais extensivo do que se costuma imaginar, e os esforços totais de políticas sociais feitos nos Estados Unidos ficam exatamente na média dos padrões europeus.
Educação
Se mudarmos nosso foco para a educação, as diferenças dos dois lados do Atlântico são, quando existem, o contrário do que se imagina. A porcentagem de americanos formados em universidades e escolas secundárias é mais alta do que em qualquer país europeu. Os americanos adultos são, nesse sentido, melhor educados do que os adultos da Europa.
E os EUA gastam mais dinheiro por criança, em todos os níveis da educação, do que qualquer país do oeste da Europa. Os europeus costumam acreditar que as boas escolas americanas são particulares e servem apenas à elite. Mas a educação americana é menos privatizada do que a da maioria dos sistemas europeus. A educação pública foi um dos primeiros programas sociais a receber financiamento público massivo nos EUA, e isso continuou assim desde então.
Simone de Beauvoir estava convencida de que os americanos não precisam ler porque não pensam. Pensar é difícil de quantificar; ler é um pouco menos.
E os americanos, descobriu-se, leem. Para os padrões europeus, a porcentagem de americanos analfabetos é mediana. Há mais jornais per capita nos EUA do que em qualquer lugar da Europa, fora a Escandinávia, Suíça e Luxemburgo.
A longa tradição de bibliotecas públicas com bom financiamento nos EUA significa que o leitor médio americano tem uma oferta de livros melhor do que seus colegas da Alemanha, Inglaterra, França, Holanda, Áustria e os países do Mediterrâneo. Eles também fazem melhor uso dos livros das bibliotecas públicas do que a maioria dos europeus. O americano médio emprestou mais livros de biblioteca em 2001 do que seus colegas na Alemanha, Áustria, Noruega, Irlanda, Luxemburgo, França e por todo o Mediterrâneo.
Não contentes em emprestar, os americanos também compram mais livros per capita do que qualquer europeu dos quais temos dados. E eles também escrevem mais livros per capita do que a maioria das nações europeias.
A cultura popular americana é fascinada pela violência, assim como a cultura japonesa é pelo suicídio. Quer seja no filme "O Poderoso Chefão" ou na série "The Wire", a imagem que os EUA transmitem a respeito de si mesmos é de um lugar violento e comandado pelo crime. A maioria dos estrangeiros aceitou de bom grado essa análise como verdadeira. Não que seja totalmente mentirosa: um número horrendo de assassinatos é cometido nos EUA, quase duas vezes a taxa per capita dos países europeus mais próximos, Suíça, Finlândia e Suécia. Também não existe nenhuma dúvida de que os EUA têm uma porcentagem de presos bem maior do que qualquer outro país europeu.
Mas em outros aspectos, os Estados Unidos são um lugar pacífico e tranquilo de acordo com os padrões europeus. As taxas de invasão de domicílio nos EUA são mais altas, mas ficam abaixo das da Dinamarca e da Inglaterra. A incidência de roubos é melhor do que em seis países do oeste europeu. Os assaltos ficam, na média, igualando as taxas da Suécia e da Bélgica. Os níveis de estupro são altos, mas as taxas de agressão sexual são moderadas. Apenas na Dinamarca, Bélgica e Portugal elas são mais baixas. A Áustria têm um índice três vezes maior do que o americano.
O uso de drogas entre os americanos é também é alto (sem trocadilhos), mas ainda assim - excetuando a maconha, com números um pouco maiores do que a Inglaterra - estão dentro dos padrões europeus. O crime do colarinho branco nos EUA está abaixo da metade dos parâmetros europeus. Os franceses têm uma taxa de suborno seis vezes maior do que a dos americanos. Os números totais do crime nos EUA estão abaixo da média europeia. Na verdade, apenas países relativamente pequenos - Finlândia, Áustria, Suíça e Portugal - são menos afetados pelo crime do que os EUA.
Tradução: Eloise De Vylder
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